Sou um matuto, desses de criação bruta e feito para o trabalho. Desses que têm no Sol o relógio para o bom combate e que trazem como segundo ofício, entre uma enxadada e outra, a arte de matutar, pensar até o esgotamento na morte da bezerra e sua imponderável influência na ordem universal. E foi matutando que aprendi a respeitar as palavras, não o que elas dizem simplesmente, mas o que elas nos escondem, porque palavra é igual gente, em poucas se pode fiar com tranquilidade d’alma e espírito desarmado. A maioria delas guarda olhares dissimulados, mente no meio das verdades, pois que, amiúde, não estamos dispostos a ver o nu da verdade, as suas cicatrizes mal curadas, os seus enrugamentos emprestados pelos anos em que se viu cativa da ignorância.
O tempora, o mores! – lamentava-se Cícero em seus discursos no Senado Romano. Ó tempos, ó costumes! – também deve ser nosso lamento. Somos miseráveis cordeiros a assistir, impávidos, a transformação de palavras em grandes expressões idiotas só para dizer que a noite não é negra como pensamos e vemos que é – que o branco não é branco e que o preto não é preto. Ó tempo, ó costumes em que os envergonhados racistas criam expressões para mostrar que o racismo estava na cor, na palavra que descreve a cor, e não no coração deles.
No português, no latim e em quase todas as línguas, temos uma palavra ou expressão exata para cada coisa, para descrever a coisa em si. Por isso, cuidados ao se tropeçar em grandes expressões que dão “nome” ao que já existe no idioma. Mormente, essas expressões guardam em si a censura, o preconceito e um desejo político abjeto engendrados, pelos beneficiários de nosso silêncio.
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