domingo, 29 de junho de 2014

Resenha de Domingo: O poeta de Guaratuba

Escrevo num domingo quase-Inverno de 2014 e, infelizmente, imerso na distância de quilômetros que me separa do mar. O mar que supunha somente português. Mas, por sorte, tenho em mãos os versos de Félix Coronel, esse grande tradutor argentino que aqui resolveu fazer morada e nos presentear com o seu livro “Guaratubanas”, coleção de poemas bi ou trilíngues – nas duas mais belas línguas nascidas do Lácio, o espanhol e o português, acrescidas de maior beleza ainda, juntadas ao guarani.

Todo descente dos habitantes da Península Ibérica, mesmo que more afastado do litoral, tem em suas veias o sal das lágrimas do Atlântico. E o nosso poeta litorâneo, ao descrevê-lo, ao senti-lo mesmo, assume em seu coração, com lirismo ímpar, o espírito dos que tinham os olhos nos céus para orientação e aqui aportaram, como no haikai:

“Entre nuvens de renda

Lua Brincalhona

O Mar infinito espelho”

Ora, que Mar é esse que se espelha a Lua brincalhona entre nuvens de renda? – O mar de Guaratuba, o mar da baía de Guaratuba, o mar ibérico, o mar de nossos índios ancestrais. Eis, pois, a magia dos versos de Félix, que se utiliza da suposta simplicidade do haikai, para descrever para nós e para os falantes do espanhol, a singularidade de um pedacinho do céu do hemisfério Sul:

“Entre nubes de encaje

Luna juguetona

El Mar, infinito espejo”


Félix vai além, e demonstra em seus versos, sem delongas teóricas, o feliz encontro das línguas de Cervantes e Camões com a de nossos bravos guaranis:

“Pitangueira carregada

Janela ao mar –

Fugi com um beija-flor”

Ou:

“Nangapiry cargado

Ventana al mar

Hui con un colibri”


Sim, pela janela fogem os versos do Poeta de Guaratuba para alcançar nossos ouvidos por trás das serras, pelos planaltos, pelos continentes todos.

Portanto, vós que pensais ser a poesia coisa esgotada, prestai atenção aos versos desse bardo que se cobre de finas brisas e por elas é soprado. Há no seu canto um novo apelo poético, uma nova dimensão no ato de se fazer poesia, como se vê em largo horizonte, quando se mira o mar num dia de Verão; e não só nos haicais bem medidos, mas, em todas as formas, sua soberba luz poética se nos oferecem sem limites, como é seu desejo expresso:

“Desejo não ter limites,

nem leis que me amarrem

Porque, quando eu renascer

das penumbras do meu ocaso

Viverei com mais risco.

Cruzarei mais fronteiras

Andarei sob a chuva, na praia e na mata

Lembrando de um beijo roubado

Ou talvez de uma ingênua

promessa de amor.

Sentirei o prazer do arrepio,

Ao lembrar do teu rosto

E olharei além do horizonte

E então sorverei o vento e o frio

Como quero ver a quantos desafio!”



Ou:

Deseo no tener límites,

ni leyes que me amarren

Porque, cuando yo renazca

de las penumbras de mi ocaso

Viviré con más riesgo.

Cruzaré más fronteras

Andaré bajo la lluvia, en la playa y en la selva

Recordando un beso robado

O tal vez una ingenua

promesa de amor.

Sentiré el placer del cálido escalofrío,

Al recordar tu rostro

Y miraré más allá del horizonte

Y beberé a sorbos el viento y el frío

¡Como quiero ver a cuántos desafío!


Feliz é Guaratuba, mais felizes somos nós, que podemos ver em plenitude o poeta indo além de si, a nos dar notícias de como o vento saúda a poesia que vem das estrelas, varre a baía e banha o mundo. Mais do que isso, “Guaratubanas” é a brisa poética que nos refresca pela janela de nossos corações; um livro para ser lido, relido, pois está nele a alma de nossos povos, a essência de nossos ancestrais e que se demonstra em nosso dia-a-dia e não nos damos conta. “Garatubanas” traduz nas letras nossa constituição – o amor torrencial dos latinos e a plácida ternura dos povos nativos.

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